segunda-feira, 1 de março de 2010

Livraria


Uma chuvosa tarde de domingo. A primeira tarde chuvosa, bem vinda, depois de uma seqüência interminável de dias insuportavelmente quentes. Estava no shopping mais charmoso, do bairro mais charmoso desta charmosa cidade do Rio de Janeiro.

E ainda por cima, estava na livraria da Travessa. Percorria as mesas e estantes, buscando novidades. Nas mãos algumas compras já escolhidas, como o CD da violinista Midori com a segunda sonata para violino solo de Bach.

Numa virada repentina meu olhar se prendeu no vulto que entrava na loja. Um linda Mulher, cabelos lisos, louros, bela e madura. Paro para olhar melhor, ela sai detrás de uma mesa e a vejo no alto de saltos altíssimos, longas pernas que um short preto expunha. Uma camisa branca, de griffe, T. Hilfiger, marcava suas formas, certamente fruto de longas horas na academia.

Me perdi, imensamente perturbado segui aquela Deusa pela livraria. Por um instante ficamos lado a lado percorrendo os livros, ela parecia ter notado o feitiço que exercia sobre mim, e se divertia.

Me perdi em cada detalhe, seu cordão, suas pulseiras, seus saltos. Notei um outro homem tão perturbado quanto eu.

E como veio ela desapareceu, numa virada do fluxo que enchia a livraria. Não me restou nada, a não ser a doce lembrança, à qual me entrego ao escrever esse post, talvez na velada esperança que ela possa um dia ler essas linhas.

E a ela, fugidia deusa de uma tarde chuvosa, dedico o poema abaixo, de Baudelaire, que tão bem retrata nosso "encontro";

A uma passante

A rua ensurdecedora ao redor de mim agoniza.
Longa, delgada, em grande luto, dor majestosa,
Uma mulher passa, de uma mão faustosa,
Soerguendo-se, balançando o festão e a bainha;


Ágil e nobre, com sua perna de estátua.
Eu, embevecido, inquieto como um extravagante, bebia
Em seus olhos, o céu lívido onde se oculta o furacão,
A doçura que fascina e o prazer que destrói.


Um clarão... depois a noite! - Beleza fugidia
Cujo olhar me faz subitamente renascer,
Não te verei senão na eternidade?

Alhures; bem longe daqui! Muito tarde! Jamais talvez!
Pois ignoro onde tu foste, tu não sabes onde vou,
Ah se eu a amasse, ah se eu a conhecesse!


Charles Baudelaire, 1821-1867, Les Fleurs du mal